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  • Foto do escritorYan Menezes Oliveira

Uma clínica como espaço de criação de formas de vida: quando e porquê começar uma terapia

Atualizado: 26 de mai. de 2020


Um processo clínico, de psicoterapia, é um espaço de troca, acolhimento, experimentação e invenção de novas palavras e gestos. Diante do movimento de constante mudança das vidas, dos nossos encontros, dos nossos corpos, dos nossos humores e afetos, criamos formas para interagir com o mundo, seja em nossas posturas para se manter de pé, seja nas nossas formas de falar, seja nas formas como trabalhamos, trocamos e nos relacionamos com outras pessoas. Nossos corpos são formados na história e na política do agora, pegando emprestadas e criando referências de formas de ser a partir de gêneros, idades, cor de pele e racialidades, classes sociais, etc. Cada corpo se faz em uma história singular em conjunto com as forças scciais que o perpassam. A vida se faz nos corpos coletivos como um constante processo de criação e manutenção de formas, de modos de viver.


Seja por um conjunto de agressões às nossas formas de existir, seja por um desgaste destas diante de novos acontecimentos aos quais é necessário recriar modos de existência, seja por apego às formas que conseguimos um dia produzir e das quais não conseguimos nos desfazer, nossos processos de vida podem passar a produzir um movimento de paralisia. A partir da perda da posse do processo de criar novas formas de existir, de se estar no mundo, passa-se a conviver com certa paralisia da vida em sua mutação que pode produzir sofrimento. Tal sofrimento pode ganhar a forma de uma tristeza contínua e indistinta, de um uma sensação de antecipação de não ter corpo para lidar com os acontecimentos que virão, da sensação de repetição dos mesmos padrões e respostas corporais para diferentes situações. É diante desse impasse, dessa paralisia, que se torna necessário pausar e amparar esse movimento, pois até a paralisia é uma forma de movimento, através do cuidado de si. Um processo de terapia se faz indicado quando algo na vida se desarranja de uma maneira que se sente perder a posse de tal processo de movimento da vida e do corpo.


Para tanto, o espaço da clínica, o espaço terapêutico produz a possibilidade de se experimentar, através da conversa e dos gestos, as formas de viver que estamos habituados. Através deste exercício regular de pausa, reflexão, experimentação e cuidado de si, pode-se produzir uma abertura para que outras formas de vida, mais potentes, possam se criar e se sustentar. O espaço da clínica trabalha com a história das formas, das camadas que formam um corpo, e pensa a genealogia dessas inúmeras camadas (como cada palavra e cada gesto que me definem no momento presente se constituiu na minha própria história?) que se atualizam no presente em cada uma de nossas memórias e gestos. Ao mesmo tempo, o espaço clínico nunca deixa de ser um espaço do tempo presente, do tempo de agora, e procura se fazer seguro para, a partir da experimentação das formas que nos compõem, permitir também a experimentações e criações de novas formas de se viver. Trata-se, portanto, de produzir um presente onde as possibilidades não pareçam interrompidas ou bloqueadas.


O entendimento e a condução do processo terapêutico aqui pensados, são orientados pelas perspectivas da Psicologia Corporal, tendo o corpo e os gestos como parte ativa e presente do processo terapêutico, e pela Esquizoanálise, visão ética que compreende o caráter experimental e político dos afetos que circulam e compõem os corpos. A troca que se visa produzir com a/o terapeuta neste espaço não quer dizer de um lugar de maior conhecimento sobre a vida e sua organização em direção a alguém com menor experiência no assunto. Cada processo de produção de vida, história e gestos se dá de maneira singular e intransferível. A relação que se produz neste espaço clínico aproxima-se mais de uma amizade que se desenvolve de maneira ética no trabalho terapêutico; uma amizade consigo e com o outro que trata da invenção de um local onde as formas de vida podem ser reavaliadas e transformadas. Não porque a/o terapeuta sabe sobre as respostas ou formas ideais para a política do agora, mas justamente porque com ela/e, em sua posição de "estrangeirismo" para com o processo alheio, pode-se estabelecer uma amizade e se levar mais longe esse processo de movimento e de criação de possíveis da vida nos corpos.


Yan Menezes Oliveira

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